EC Banespa: Justiça não vê elementos para pedido de reintegração e suspensão da liminar é mantida

Jun 10, 2024 5:06:31 PM | 2024 EC Banespa: Justiça não vê elementos para pedido de reintegração e suspensão da liminar é mantida

Desembargadora relatora Monica Salles Penna Machado, confirmou a suspensão da liminar obtida em março pelo Santander. O acórdão pede que seja feito um laudo pericial por profissionais apontados pela Justiça

SÃO PAULO - Uma vitória para o Esporte Clube Banespa ante ação de despejo movida pelo Santander. No último 5 de junho, a desembargadora relatora Monica Salles Penna Machado confirmou a suspensão da liminar obtida pelo banco em março citando que não há ocorrência que justifique o deferimento de tal pedido. O acórdão pede que seja feito um laudo pericial por profissionais apontados pela Justiça.

A decisão que concedeu a reintegração de posse em março pediu o encerramento imediato das atividades do clube citando falta de manutenção e “insegurança aos frequentadores” em um laudo apócrifo. A defesa do clube conseguiu, porém, a suspensão da liminar anexando nos autos os laudos técnicos que confirmam que as instalações estão aptas para uso. A juíza cita, inclusive, que a primeira decisão a favor do banco espanhol foi uma medida drástica.

O desembargador Cézar Zalaf acompanhou a relatora e, ainda, enfatizou a ausência de convicção do caso e a necessidade da comprovação das alegações do banco que requer a observância do direito à ampla defesa.

“De rigor, que se aguarde o julgamento do mérito dos autos principais, a fim de que não se tenha dúvida sobre as reais condições da infraestrutura do clube agravante. Há laudo produzido pelo banco, bem como o produzido pelo clube. Notória a divergência”, diz Machado. Logo, levando em consideração a magnitude das consequências do despejo, a juíza recomenda a produção de laudo pericial indicado pelo juízo.

A desembargadora destaca ainda pontos da defesa do clube, como o comodato até 2030 previsto em edital de privatização, a unilateralidade do laudo do banco e os interesses com a especulação imobiliária.

Para o advogado e procurador-geral do Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol do Estado de São Paulo, Wilson Marquetti Junior, não há motivo para que a ação do banco siga adiante. “Fomos até o jurídico do Santander para explicar o impacto que o fechamento do ECB teria entre os sócios, crianças das escolinhas e comunidade em geral, e tivemos desdém como resposta.”

ABRAÇO PELO CLUBE - A causa ganhou simpatia da população, principalmente das associações dos bairros dos arredores do Brooklyn/Santo Amaro. No último dia 8 de junho, centenas de moradores, simpatizantes e membros da diretoria fizeram um ato simbólico no clube ganhando espaço na mídia.

A lei de zoneamento protege o clube, desde que ele esteja em funcionamento. Se o Santander encerrasse as atividades do ECB, seria um enorme retrocesso e daria ao banco o poder de fazer o que entendesse do imóvel”, diz Wilson. Logo, é necessário ficar alerta ao trâmite da ação.

Anselmo Silva, advogado da Afubesp, comenta sobre os movimentos da associação para proteger o ECB. “Estamos pensando de que forma podemos auxiliar no processo, talvez como “amicus curiae” que é quando um terceiro interessado ingressa no processo com a função de fornecer subsídios ao órgão julgador”, explica. Silva pontua que o diálogo com o jurídico do clube continua para não atrapalhar o trabalho efetivo deles.

ESPORTE CLUBE BANESPA É UM PATRIMÔNIO OLÍMPICO E TEM RELEVÂNCIA MUNDIAL PARA O ESPORTE BRASILEIRO - Fundado há 94 anos, o Esporte Clube Banespa traz uma história que remonta há tempos, muito antes das famosas integrações esportivas da época do banco. O local, que hoje demanda atenção extra contra as investidas da especulação imobiliária, foi palco de momentos marcantes para a cidade e gestou times vitoriosos nas modalidades de vôlei e futsal, inclusive com premiações olímpicas. Meninos costumavam fazer filas para participar de peneiras sonhando em seguir carreira no clube.

De lá foram alavancados nomes como o de Roberto Rivellino, tricampeão mundial de futebol - que possui escolinha no clube -, os jogadores de vôlei Tande e Nalbert, e o Falcão do futsal, campeão mundial na modalidade. “Praticamente toda a geração de ouro do vôlei nasceu no ECB”, lembra o vice-presidente do clube, Nelson de Souza. Atletas que iniciaram no clube ou reforçaram times também obtiveram conquistas em competições de judô, atletismo, esgrima, basquete, ginástica olímpica, handebol, tênis e xadrez.

Infelizmente, o vitorioso time de vôlei Banespa, rebatizado de “Brasil Vôlei Clube” teve de encerrar atividades em 2010, após a retirada de patrocínio do Santander. Hoje, o banco não patrocina nenhum time do clube. “Temos responsabilidade social, uma história reconhecida mundialmente. Mesmo sendo propaganda para o banco numa geração tão ligada à saúde e ambiente, a gestão não parece se importar”, lamenta Souza.

RICA HISTÓRIA E IMPORTÂNCIA CULTURAL - O processo de compra do terreno para o clube teve o envolvimento do Banespa na permuta de imóveis em troca da chácara, que pertencia a um alemão. “Era preciso convencer a ambos - o banco e o proprietário, que não morava no país -, sobre a excelência do negócio. A concretização do negócio estabeleceu em definitivo a permuta da chácara por diversos imóveis pertencentes ao banco. A escritura foi passada em 12 de junho de 1937 e o valor da transação ficou em 320 contos de réis”, conta o livro de 80 anos do ECB. Uma grande festa marcou a posse da sede.

Importante destacar que, na época da fundação, o distrito de Santo Amaro era repleto de chácaras e espaços verdes - bem diferente da paisagem cinza de hoje. O ECB é um dos únicos locais da área que preservam a natureza.

À época, era comum a realização de eventos sociais como festas de debutantes, formaturas, bailes de réveillon e de comemorações do Banespa. O concurso de Miss Banespa ocorria religiosamente desde os anos 1950. Nos anos 1960, chegou a receber shows de artistas renomados, como Toquinho e Jair Rodrigues, e shows variados continuam a animar os salões. A inauguração do gramado sintético dos campos de futebol - construídos em 1947 - contou em 2005 com a presença de Edson Arantes do Nascimento, o Pelé (1940-2022), que elogiou o “padrão FIFA” do campo.

Mantendo a beleza natural da então Chácara - até hoje os frequentadores podem beber água cristalina e potável da “biquinha”, por exemplo - muito da vegetação foi preservada no processo de construção dos ginásios e quadras. Iniciativas sustentáveis também foram implementadas nos anos 2000.

As instalações do clube contam também com um teatro batizado de “Teatro Paulo Goulart”, em homenagem ao conhecido ator (1933-2014). O próprio, acompanhado da atriz e esposa Nicette Bruno (1933-2020), inaugurou o espaço.

Consolidado como um lugar histórico que proporciona qualidade de vida, socialização e lazer há muitos anos, o ECB precisa ser protegido para escapar da predação imobiliária que o Santander investe numa infundada ação de despejo notificada em março deste ano.

VAMOS PROTEGER O ESPORTE CLUBE BANESPA, UMA JOIA ARQUITETÔNICA SOB O RISCO DE VIR AO CHÃO - A caminho do Brooklyn, bairro onde fica a sede do quase centenário Esporte Clube Banespa, salta aos olhos a quantidade de novos empreendimentos em áreas valorizadas pela inauguração de estações de trem e metrô. Virando à esquerda na entrada da rua São Sebastião, o verde do clube se torna um alívio no meio do concreto maçante. Custa acreditar que - se depender do Santander - o espaço que serve de lazer e convívio social a mais de dez mil pessoas, incluindo cerca de 150 empregados e prestadores de serviço, pode virar pó.

A diretoria do clube foi surpreendida em março último com uma notificação do banco espanhol informando decisão judicial da 14ª Vara do Foro Regional de Santo Amaro, concedendo a reintegração de posse e o encerramento imediato das atividades do clube citando falta de manutenção e “insegurança aos frequentadores”. A defesa do clube conseguiu, porém, a suspensão da liminar e continua trabalhando para manter o espaço em uso para os associados. A ação segue em trâmite na Justiça.

Em comodato previsto até 2030 no edital de privatização do Banespa, o terreno nunca foi de fato do banco, que sempre ignorou a existência do clube - e tampouco tem interesse em divulgar o rico espaço para o uso de seus funcionários.

Nelson de Souza, vice-presidente do ECB, afirma que R$ 8 milhões foram investidos em reformas e reparos no local. “Prédios antigos como esses necessitam de manutenção de tempos em tempos”, explica. Por isso, foram feitas vistorias e registros fotográficos de pontos para melhoria que, segundo ele, foram usados com má-fé pelo banco no pedido infundado de reintegração de posse. Em visita à sede, a reportagem conferiu o resultado das reformas, com novas salas para aulas como artes marciais, ballet, pilates, música, entre outros.

Já foram concluídos 90% dos reparos e adaptações, restando a área de piscinas, que têm maior custo. O espaço possui laudo técnico atualizado e alvará dos Bombeiros para o funcionamento.

Além da linha jurídica, há articulação da comunidade de sócios e dos bairros nos arredores para proteger o clube da predação imobiliária. Entre as muitas peculiaridades que o ECB carrega é a assinatura do arquiteto Eduardo Corona, ex-sócio de Oscar Niemeyer, no prédio principal. Com isso, a ideia é que o clube seja tombado como patrimônio histórico e arquitetônico. Já existe pedido junto ao Iphan. Técnicos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) estão elaborando um parecer favorável sobre a importância arquitetônica das instalações. Porém, tudo depende dos aspectos técnicos da nova lei de zoneamento do município.

O CLUBE É DA COMUNIDADE - Proteger o clube é a pauta principal, tanto denunciando o caso na mídia, como em manifestações. As associações de moradores dos bairros (Ciranda e Apit), simpatizantes e diretores organizaram ato simbólico com abraço coletivo no Clube em 8 de junho, com grande adesão.

A investida do Santander expõe objetivos menos nobres para o terreno onde começaram a ser erguidas em 1930, na então Chácara São João, as instalações que se tornaram o complexo reconhecido mundialmente. “Não há dúvidas do que o Santander pretende fazer nessa chamada reintegração, basta olhar ao redor com tantos prédios em construção”, diz Souza. “O terreno nunca foi do banco, sempre foi dos funcionários que ergueram o clube”, lembra. Para ele, há em curso um processo de apagamento da memória do Banespa.

Há interesse do clube - que hoje recebe também sócios-frequentadores - em reivindicar a utilização dos bancários como uma iniciativa para estimular a qualidade de vida destes trabalhadores. Mas, para o presidente do ECB, Maury Roberto Muscatiello, o Santander não tem visão social e ambiental. “Sabemos que na época das integrações esportivas do Banespa, os funcionários saíam mais motivados para trabalhar. Hoje só há a visão lucrativa do banco espanhol, sem contrapartidas”, destaca.

O mais próximo que a diretoria do ECB chegou disso foi em diálogos com o ex-presidente do Santander no Brasil, Sergio Rial, e logo depois foram rompidas as tratativas verbais quando o atual presidente Mario Opice Leão tomou o cargo em 2022.



Fonte: Letícia Cruz - Afubesp / Fotos: Junior Silva

 

 

Fonte: Afubesp